LE CHAT DOMESTIQUE

Ele se chama cookie , tem os pelos brancos , uma mancha preta e uma charmosa coleira vermelha.
Aparece no muro de casa toda manhã e desce ao ver minha filha que o recebe diariamente, com grande entusiasmo.
Pertence a família francesa que mora na casa do lado. Mas o bichano nos visita duas vezes por dia desde que nos mudamos.
O felino malandro entra na minha casa e corre atrás da minha cachorra , com quem se esconde na barraca do jardim , brincam juntos contentes e depois vai até os quartos subindo a escada sentido-se parte de nós.
Ontem estava olhando seus movimentos tão leves e calculados para pular do muro e entrar no quintal : A liberdade com que caia , seu pouso elegante , silencioso feito o salto de uma bailarina.
Enquanto olhava me lembrei dos saltimbancos : “Nós gatos já nascemos pobres , porém já nascemos livres”.
E senti uma inveja danada dessa liberdade.
Cookie entra sem medo , dentro dos meus armários de sapato , outro dia estava feliz esticado na minha cama.
Consegue ir e vir sem pedir licença , sem desculpar-se , sem máscara , sem álcool gel. Hoje sou eu que me sinto usando uma coleira, presa em casa, amedrontada .
Para o gatinho não existe o “novo normal “ – Ou seja , só a vida de sempre , que como dizia Freud “Não é la grande coisa , mas é a única que a gente tem.“
Ando com saudade do que não é lá grande coisa: Fazer supermercado, fazer ginástica , encontrar minhas amigas, assistir ao vivo a um seminário de psicanálise , atender meus pacientes. Coisas que eram tão minhas mas hoje , só Cookie conseguiria fazer em paz . E que para mim eram grandes e me fazem muita falta, desde que a COVID virou parte de nós, também sem pedir licença – diga se de passagem.
Quando me deparo com esse pensamento me entristeço. Lembro-me da gata do espetáculo Cats que canta “memories” recordando entristecida de um tempo que não volta.
E então me vejo tão empobrecida , feito gata borralheira , em busca de uma fada com uma varinha de condão que transforme nossa triste realidade . Quem sabe se em suas mãos , ao invés da varinha, uma seringa com a vacina milagrosa, que pudesse chegar antes da meia noite . Ou então antes da primeira hora da manhã. Que é a mais difícil de todas.
Quando acordo mais um dia tentando domesticar meus medos felinos.
Por hoje , Bonne nuit Cookie.
Good morning Vietnã , uma guerra todo dia no noticiário da manhã .

Helena Cunha Di Ciero
Psicanalista

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